Crianças e adolescentes recrutados por traficantes para
atuar na disputa pelo controle das bocas de fumo por pouco não foram vítimas de
uma chacina, nesta quarta-feira (13), no bairro de Mandacaru, em João Pessoa.
Sem assistência das famílias, os meninos não frequentam a escola e acabam tendo
como referência os seus aliciadores. Segundo a polícia, os alvos da matança
seriam jovens da facção ‘Estados Unidos’ e os matadores membros da gang rival
‘Al-Qaeda’. Um jovem ainda foi atingido de raspão, os demais conseguiram
escapar. Eles têm orgulho de dizer que pertencem a uma facção, expressam ódio
pelos ‘rivais’ e descrevem as mortes que viram ou planejam, sem se importar com
a realidade de que são apenas alvos.
“Acreditamos que a impunidade é a razão que
leva os traficantes a aliciarem as crianças. É muito fácil conseguir isso por
conta ainda do abandono dos pais que, muitas vezes, também estão envolvidos no
crime. Nas comunidades de risco, onde há um grande número de crianças, os
traficantes aproveitam para fazer o recrutamento por conta da responsabilidade
penal. Eles sabem que o adolescente só fica preso se cometer violência contra a
pessoa, e traficar não é”, observou o capitão Antônio de Souza, coordenador da
Unidade de Polícia Solidária (UPS) de Mandacaru. Por mais grave que seja o
crime, segundo ele, um menor de 18 anos não passa mais de três anos
recluso.
O capitão afirmou que não há como saber
quantos dos meninos e jovens do bairro estão envolvidos na criminalidade. “Os
bandos são pequenos, mas um detalhe que chama a atenção é que eles são muito
agressivos, o que dá para perceber até nas letras do rap que cantam. A maioria
não frequenta a escola e os que vivem com familiares, não contam com o cuidado
dos pais. Passam o dia sob tensão, com medo de outras facções”, disse.
Secretário sugere ação conjunta
O secretário da Segurança e da Defesa Social
Cláudio Lima disse que, além da ação da polícia, é necessário que o Ministério
Público e conselhos tutelares atuem em conjunto com outras secretarias municipais
e estaduais para tentar reverter este quadro. “O que mais preocupa é que são
crianças. Uma criança com 10 anos sem estar na escola é uma situação muito
grave; e mais grave ainda é o envolvimento dela com a criminalidade.
Infelizmente, não tem como a polícia dar proteção a tanta gente; não é uma
situação que se resolve assim”, afirmou.
Preso ordenou execuções
Na madrugada de ontem, policiais de plantão
da UPS de Mandacaru foram avisados de que iria acontecer uma chacina na noite
da terça-feira envolvendo as facções Al-Qaeda e Estados Unidos. Por volta de
2h30 de ontem, enquanto o capitão Antônio de Souza realizava rondas, ouviu
disparos e, com apoio da Força Tática, seguiu em direção ao local dos tiros.
“Encontramos os adolescentes na rua se queixando de que quatro homens armados
passaram em um veículo Corsa, prata, atirando contra eles. Um, de 13 anos, foi
ferido nas nádegas sem gravidade”, relatou.
O carro, que foi localizado na Rua Rodrigues
Alves, pertence a uma mulher, cujo marido está preso. “Foi ele quem ordenou a
chacina”, informou o capitão. A recomendação do mandante da ação, conforme o
capitão, era de que a esposa entregasse o veículo aos homens. “Ela não soube
dar nomes, mas passou o carro para o grupo. Foi ouvida na Delegacia de Homicídios,
autuada por posse ilegal de arma e está presa. O adolescente ferido prestou
depoimento”. Na tentativa de fuga, os bandidos bateram o carro em um poste. No
interior do automóvel havia várias cápsulas calibre 38.
Proteção
O presidente do Conselho Tutelar Região
Norte, Elielton Lima ainda não havia sido informado sobre o caso de Mandacaru,
mas garantiu que, caso seja necessário, os meninos ameaçados serão encaminhados
ao Programa de Proteção à Vida. A reportagem não conseguiu falar com a
Promotoria da Infância.
Depoimento choca
Questionado pela TV Correio, um garoto de 12
anos explicou a razão de estar no crime. “Os ‘bicho’ tentaram matar meu
parceiro. Deram um ataque de 12, repeteco, mas ‘nós não abre’ pra eles. Mataram
o pai do boy, mas não vai ficar assim. A gente vai torar a cabeça e comer a
orelha com uma dose de cana”.
Avô chora
Seis adolescentes foram apreendidos na última
terça-feira (12), em Cabedelo, com armas e drogas. No mesmo dia, o avô de um
deles, um menino de 13 anos, esteve na delegacia. “Ele disse que não quer ir
para casa. Forçado, não vou levar e ele fica por aí”, disse o avô. Mas
após o depoimento, o avô voltou, abraçou o neto, chorou e disse que a avó está
rezando por ele.
Fonte: Portal Correio
Fonte: Portal Correio
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